O Pretinho Básico: De revolucionário ao clássico que não sai de moda

Que atire a primeira pedra quem não tem pelo menos um no armário! O vestido preto, conhecido como pretinho básico, é um daqueles clássicos que, seja qual for a idade, classe social ou profissão, toda mulher tem que ter um. Ele traduz elegância e a discrição necessária que a mulher contemporânea precisa. E faz isso muito bem, caso contrário não teria se tornado a peça indispensável que é há mais de 80 anos.

A invenção do pretinho básico é atribuída a uma das mulheres mais criativas e inovadoras do século XX: Coco Chanel. Em maio de1926, a revista Vogue publicou uma ilustração com um modelo de vestido preto, simples, criado pela costureira. Num momento em que as mulheres estavam atingindo a independência, o vestido veio a calhar. Parece que o vestido preto conseguiu representar tudo o que uma mulher precisava naquele momento: simbolizava modernidade com linhas praticamente aerodinâmicas e uma sensualidade tranqüila e confiante, elementos esses característicos das criações de Chanel. Conta-se que um dos grandes rivais de Chanel, o costureiro Paul Poiret perguntou a Chanel, um dia, quando vestida de preto: “Você está de luto por quem, mademoiselle?”. “Por você, monsieur”, foi a resposta calma dela.

O pretinho olhava para frente, para o futuro. Principalmente depois da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, a imagem “chique simples” do pretinho parecia particularmente oportuna. As roupas vistosas, de aparência sofisticada, eram consideradas inadequadas mesmo para os que não haviam sido afetados pela Grande Depressão. Assim como as roupas da década de 30, de linhas retas e desprovidas de frescuras, o vestido preto caia muito bem e foi apelidado de Ford Chanel numa comparação com a marca e a cor do carro mais popular dos anos 20.

Antes dessa época (e, de certa forma, até os dias de hoje), o preto era normalmente associado ao luto. O período do luto durava dois anos e meio e o primeiro período, que durava em torno de um ano e um pouco mais, a mulher deveria vestir-se inteiramente de preto. No segundo estágio, que durava aproximadamente nove meses, a viúva passava para roupas pretas com enfeites pretos e, por fim, vestia-se com tons esmaecidos como cinza e alfazema com acessórios pretos. Em vista do grande número de perdas com as guerras, a rigidez dessa regras do luto foram sendo abandonadas aos poucos pois muitos achavam que o melhor era seguir em frente. Mesmo assim, o uso da cor ainda se manteve. Como a expectativa de vida era relativamente baixa e as guerras ocorriam freqüentemente, principalmente até a primeira metade do século XX, algumas lojas criaram departamentos de artigos de luto onde se podia encontrar tudo o que fosse necessário.

Entre muitos pretinhos marcantes, seja na vida real ou no cinema, estão Catherine Deneuve, com vestido de Yves Saint Laurent na cena final de A Bela da Tarde; Scarlett O’Hara (de luto) dançando com Rhett Butler em … E o Vento Levou; Jacqueline Kennedy no funeral de seu marido, o presidente John Kennedy; Audrey Hepburn em seu figurino criado por Hubert Givenchy para Bonequinha de Luxo; Princesa Diana em sua primeira aparição pública ao lado do Príncipe Charles; Elizabeth Hurley com seu polêmico Versace com alfinetes de segurança, Rita Hayworth em Gilda; a sexy Betty Boop; Demi Moore como a esposa de um milhão de dólares em Proposta Indecente e as artistas francesas Edith Piaf e Julette Greco.

Entre ondas de luto, revoltas e estilo, o pretinho básico encaixa-se muito bem com estilo, e que estilo. Nancy MacDonell Smith, a autora do livro Pretinho Básico termina seu texto definindo e homenageando o clássico: “Meu verdadeiro reconhecimento do valor do preto é muito mais filosófico que prático. Com o preto, sinto-me como se estivesse usando minhas roupas, em vez de ficar conjeturando se elas estariam me usando. De preto me sinto confortável, confiante, inatacável. Contra a tela sombria, é como se meu eu resplandecesse”.

Publicado no Município Mais – edição 07 de 24 de março de 2008.

Município Mais: um novo projeto

No ano passado, em 2007, o Jornal Município Dia-a-dia, da qual sou colaboradora da área de moda desde 2001, me convidou para fazer parte de um novo projeto: uma revista, um encarte quinzenal que falaria de outros assuntos que não estavam dentro do jornal diário. Uma revistab de variedades buscando sempre fazer o link com pessoas, eventos e locais de Brusque e região. Um desafio que foi e ainda é muito bom de fazer, apesar de bastante puxado. Afinal, além de tudo o que faço, ainda conseguir conversar com pessoas, estruturar editoriais de moda e fechar tudo com meu irmão (que é responsável pelo projeto gráfico e a diagramação da revista) mais a minha querida editora, não é fácil. Aqui vou postar alguns dos trabalhos que tiveram resultados bacanas. Quem quiser acompanhar, acesso http://www.municipiodiaadia.com.br.

beijos

Tem moda aí? Tem sim, sinhô.

Santa Catarina é um dos estados com maior número de cursos de moda e quer se destacar não só no setor produtivo da cadeia têxtil mas também criativo. O que falta para chegar lá?

“O que você quer ser quando crescer?” Essa é uma pergunta que todos já ouvimos quando criança. E para muitos a resposta já era certa: médico, bombeiro, jogador de futebol, professor. Para outros tantos, a resposta foi aparecendo ao longo da vida escolar e para outros ainda, a resposta veio na hora de marcar a opção na inscrição do vestibular. O fato é que o rol de cursos e de faculdades cresceu muito nos últimos anos abrindo as possibilidades para qualquer um escolher “ o que quer ser quando crescer”, muito bom por um lado porque se tem mais opções e maior é a possibilidade de encontrar o curso que se quer perto da sua cidade, mas por outro pode-se acabar escolhendo o curso errado só porque não descobriu ainda sua vocação, influenciado pelas circunstâncias.
Em Santa Catarina, assim como em qualquer outro lugar, isso não é diferente e a proposta aqui é de uma reflexão no que diz respeito aos cursos de moda e design. A história dos cursos de moda em Santa Catarina é bastante recente. Foi em 1996 que iniciaram as atividades do primeiro curso de Moda na Udesc – Universidade do Estado de Santa Catarina. Isso numa época em que a moda começava a despertar interesse da mídia, de uma forma geral, com os eventos e logo depois com super modelos e também quando as empresas do setor têxtil e de confecção começavam a perceber a importância de um profissional com capacitação nessa área para que a empresa se mantivesse no mercado suprindo as necessidades do consumidor, caminhando na velocidade do mercado e propondo produtos diferenciados e inovadores.
Tudo isso despertou a atenção de diversas universidades e faculdades, de olho no mercado, que cursos de moda e design eram necessários em outros pontos do estado, já que diversos pólos têxteis e de confecção estão espalhados por Santa Catarina. Assim foram aparecendo cursos em Blumenau, Jaraguá do Sul, Criciúma, Lages, Brusque, Tubarão, Indaial, Rio do Sul, Balneário Camboriú, Guaramirim etc. São ao todo, de acordo com as informações do site do MEC, 16 cursos superiores de Moda/ Design de Moda no estado de Santa Catarina. Isso sem falar nos outros cursos rápidos de formação básica que se espalharam por todo o estado.
Para o discurso da moda isso é muito bom pois auxiliou e ainda auxilia a compreender que moda não é só glamour, mas trabalho árduo e exige muitos conhecimentos além do desenho (muitos acham que o que o designer/estilista precisa saber é apenas desenhar bem). Mas por outro lado, massificou a atividade, colocando centenas de profissionais formados a cada ano num mercado que ainda não está consolidado, pois apesar de nossas empresas serem centenárias e sermos conhecidos tradicionalmente como um estado têxtil, o despertar para a necessidade desse profissional (e quais as suas habilidades, qualificações e funções) ainda é muito recente, quando não necessário dizer que ainda não totalmente compreendida.
Mas então por que, se já temos tantos cursos de moda e design implantados no estado, não conseguimos nos destacar no quesito criatividade? Isso esteve na pauta das discussões recentemente no Fórum “O Futuro da Moda em Santa Catarina” que apresentou o resultado de uma pesquisa encomendada pelo governo do Estado. Claro que não estou procurando um Dior catarinense, mas estando dentro da universidade diariamente, observando o perfil das empresas e de académicos e em comparação a outros locais, percebe-se que o que falta não é estrutura física nos cursos, mas o que se tem ao redor. Qual é um dos principais itens que avaliamos quando vimos a criação de um traje, por exemplo? A criatividade, a inovação, correto?
E para que um designer/estilista consiga criar freqüentemente produtos criativos e que estejam ao alcance do consumidor, ele precisa esperar que a inspiração baixe como uma luz que vem do céu? Claro que não. A observação do mundo ao seu redor, a vivência desse mundo, o alerta para o que acontece no mundo (e o mundo não precisa ser levado ao pé da letra, pode ser a sua cidade, o seu bairro) é necessário. Não adianta ficar preso dentro da empresa e também não adianta achar que fazer pesquisa é entrar no Google e digitar “tendências verão 2009”. A formação cultural é importante: ir a um museu, ir ao cinema, perceber elementos marcantes na arquitetura, nas manifestações culturais, no artesanato da sua cidade, da sua região. Isso é tantas vezes esquecido e, se por um lado, pouco exercitado pelos alunos das escolas de moda, por outro lado, quando lembrado pouco encontrado. Muitas das cidades catarinenses, inclusive muitas das que têm instalados cursos de moda/design, não têm se quer um museu e pouco têm lembrados fatos importantes da sua história ou dão espaço a manifestações culturais, seja do teor que forem. Para formar um bom designer/ estilista não basta dar toda a formação técnica (modelagem, desenho, costura, etc), é preciso exercitar a formação criativa, reflexiva, critica. E é preciso saber dosar, pois se por um lado, em algumas cidades, encontram-se exímios costureiros e modelistas (muitas vezes por estarem há anos dentro de empresas e só agora puderam buscar formação profissional), por outro lado, em alguns locais, encontra-se gente criativa mas que não consegue transformar a idéia em produto pois lhe falta o conhecimento técnico.
Tudo isso rende muito pano para manga e envolve questões diversas: politicas, econômicas, sociais, culturais que cada um, seja o empresário, o aluno, o professor, o politico deve procurar analisar no seu contexto e propor mudanças, alternativas para conseguir desenvolver melhor as questões ainda deficientes e para ajudar a transformar Santa Catarina num pólo não apenas produtor mas também criador de moda.

Publicado na Revista Catarina.

O conceito da arte e da moda ou da arte-moda?

Arte ou moda? Arte e moda? Moda é arte? Essas são duas palavras que, sempre que aparecem juntas, provocam discussões acaloradas, pois alguns ilustres artistas não admitem que algo tão efêmero, pensado para durar pouco e totalmente relacionado à sociedade capitalista, possa ser arte. Já outros até se arriscam a traduzir em “roupas” alguns dos elementos presentes em suas pinturas ou esculturas.
Isso tudo faz lembrar um artigo de Adélia Borges chamado Designer não é personal trainer, onde ela tenta explicar o conceito do design e relacioná-lo ou diferenciá-lo da arte, apresentando pontos de vista de designers que se consideram designers e ponto e de designers que se consideram artistas, sim, e daí?
A questão hoje é essa. Esse ensaio proucra trazer mais algumas referências para refletir se moda é ou não arte. E para isso é preciso primeiro pensar um pouco a respeito da concepção que temos de arte. Apresento então três manifestações: “A Fonte” de Marcel Duchamp, 1917. “Marilyn Monroe” de Andy Warhol, 1962 e os parangolés de Helio Oiticica. Para você, essas manifestações são consideradas obras de arte ou não?
Bem, se pensarmos na tradicional concepção de arte, é possível que se chegue à conclusão que são apenas delírios de alguns loucos que se diziam artistas. E aí, vem à mente mais uma cena. Julia Roberts no papel de Katharine Watson, no filme O Sorriso de Monalisa, tentando ensinar história da arte para as alunas de uma escola aristocrática da década de 50.
Watson tentava mostrar às alunas da sua classe que a concepção tradicional de arte estava ligada a uma receita que era tida como valor inquestionável e como degrau da evolução humana, já que possuía mais refinamento que qualquer outra forma de manifestação. Porém, esta não era mais a base de reflexão e definição do que era arte. Esse movimento que começou a se desenvolver desde final do século XVIII, mas ganhou força no início do século XX, pensava em novas referências para a arte. E foi aí que surgiu Marcel Duchamp, dando o pontapé para a discussão dessa nova visão de arte e, mais tarde, desencadeou o movimento conhecimento como arte conceitual.
Em 1917, Marcel Duchamp surpreendeu o mundo da arte ao levar para uma galeria a obra intitulada “A Fonte”, que consistia num mictório com uma única intervenção do artista: a assinatura R.Mutt. A obra, seguida de várias outras, iniciou uma discussão então do que era entendido como arte e o que poderia ser considerado arte, já que novas formas de expressão surgiam e um novo contexto social, econômico e cultural, se instalava no início do século XX, como a fotografia e o cinema.
Walter Benjamin escreveu sobre isso e sobre a questão da reprodutibilidade nessas novas formas de arte. Segundo Benjamin, em seu texto A obra de arte da era da reprodutibilidade técnica, “o aqui e agora do original constitui o conteúdo da sua autenticidade, e nela se enraíza uma tradição que identifica esse objeto, até os nossos dias, como sendo aquele objeto, sempre igual e idêntico a si mesmo. A esfera da autenticidade, como um todo, escapa à reprodutibilidade técnica, e naturalmente não apenas à técnica”. A partir da era da reprodução técnica, a relação com a obra passa a ser outra. Ao contrário do passado, quando muito do seu valor estava em ser única e quase inacessível, com a reprodutibilidade técnica a obra de arte fica mais próxima das massas e, nem por isso deixa de ter valor e ser desejada. Fazer as coisas ‘ficarem mais próximas’ é uma preocupação tão apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos através de sua reprodutibilidade. Cada dia fica mais irresistível a necessidade de possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução, explica Benjamin.
Além da idéia da reprodutibilidade, um outro movimento, o da arte conceitual que ganhou força na década de 60, também propôs novos elementos para o entendimento da arte. A Arte Conceitual, de modo geral, opera na contramão dos princípios que norteiam o que seja uma obra de arte e por isso representa um momento tão significativo na história da arte contemporânea. Em vez da permanência, a transitoriedade, a reprodutibilidade en vez da unicidade; contra a autonomia, a contextualização, a autoria se esfacela frente às poéticas da apropriação e a função intelectual é determinada na recepção.
Os representantes da Arte Conceitual entendiam que a idéia da obra era mais importante do que a realização do trabalho em si, cuja porção visível era aparente ou secundária. Para eles, o processo criativo do artista, e não o seu resultado é o que mais importava.
A partir disso e das obras apresentadas acima, acredita-se ser possível traçar um paralelo entre a arte e a moda. A moda é pautada na efemeridade, na mudança constante e trabalha o tempo todo a partir de elementos estéticos, assim como a arte: o jogo de cores, as texturas, as linhas e os volumes são parte da composição de um produto de moda. Isso sem falar no movimento, elemento das chamadas artes menores a que a moda se submete mas que dá a ela um formato único. Gilda de Mello e Souza complementa “é o movimento, a conquista do espaço, que distingue a moda das outras artes e a torna uma forma estética específica”. A moda é uma forma de arte que sofre a influência do espectador ou do usuário. Na arte contemporânea é uma das grandes propostas. Quantas vezes encontram-se obras, instalações em bienais ou museus de arte onde a proposta é interagir de modo físico com o espectador? A moda sempre fez isso.
Assim, pensar em moda e pensar em arte não deve ser algo tão distante. Os elementos que sustentam a arte conteporânea e os elementos que caracterizam a moda são muito similares, principalmente se obervarmos o contexto atual e as suas propostas. Voltando portanto à construções envolvendo as duas palavras: moda e arte, qual delas se fixa melhor para você?

Corpo e roupa como signos de moda: o cuidado de si a partir do olhar do outro

Pensar na moda nos dias de hoje, sem dúvida nos remete, num primeiro momento, às mudanças periódicas do vestuário. Mas não é mais possível deixarmos de fora, um outro forte elemento que ajuda a dar vida para a expressão da moda: o corpo. Na sociedade de hoje, que vive intensamente uma cultura baseada na aparência e nos valores efêmeros, é difícil excluirmos a roupa e o corpo do discurso. Tanto o corpo quanto as roupas, nas suas mais variadas formas de expressão, configuram uma relação histórica com a “produção” da moda, refletindo as mudanças desta sociedade nos seus valores estéticos, políticos e sociais e ainda expressando uma visão pessoal de cada indivíduo. Essa percepção de mudança, tão acelerada nos dias de hoje e que faz parte do que entendemos como moda, associada a construção da aparência através do corpo e da moda, cria, não só na sociedade mas em cada indivíduo que a compõe, uma intensa forma de se relacionar e se comunicar.
Neste sentido, podemos afirmar que não existe corpo nem moda fora da história e fora dos signos sociais – cultura. Estamos imbuídos em uma cultura que nos constrói ao mesmo tempo em que somos (re) construídos por ela. Nesse momento de uma moda contemporânea, o corpo torna-se mais uma forma de construção de uma relação com o grupo buscando sempre atingir aquele padrão, mas de forma subjetiva, tornando-se único e refletindo os gostos, estilos e valores daquele indivíduo.
Em torno destes signos culturais estão os padrões de corpo ideal e as tendências de moda. É a partir deles que os indivíduos pautam sua postura, frente o cuidado de si, sua relação com o próprio corpo e com os modos de adorná-lo. É também em nome desse cuidado de si que o indivíduo busca a sua inserção na vida social. O aceitar o outro evoca nossa própria aceitação para conosco.
O cuidado de si é aqui compreendido como um conjunto ordenado de exercícios disponíveis, recomendados e utilizados pelos indivíduos dentro de um sistema simbólico que tem como fim atingir um objetivo específico. Por assumir uma condição simbólica, o cuidado de si possui uma dimensão política e moral.
Sob este viés, as posturas, frente a esse cuidado consigo mesmo, implicam em processos de subjetivação/objetivação. A subjetivação se dá quando corpo e mente a ela se submetem: “quero ficar belo”. E a objetivação se concretiza no ato de assumir isso como prática: “vou fazer uma cirurgia plástica” ou “vou vestir ou usar determinado acessório corporal”, “vou me apropriar de uma moda”.
Esses procedimentos perpassam assim por cuidados médicos, higiênicos e estéticos na construção das identidades bem como é também ela o fator que demarca as diferenças. Trata-se da formação de um sujeito que se auto-controla, autovigia e autogoverna.
Neste início de século XXI, o padrão estético de corpo caracteriza-se pelo biotipo longilíneo e magro, onde “um quilinho a mais” faz muita diferença e onde, para se delinear um grupo muscular, não são poupados esforços.
Na nossa cultura da aparência, os cuidados com o corpo viraram essenciais. Hoje, sou o que aparento e estou, portanto, exposto ao olhar do outro, sem lugar para me esconder, me refugiar. Estou totalmente a mercê do outro, já que o que existe está à mostra, sou vulnerável ao olhar do outro, mas ao mesmo tempo preciso de seu olhar, de ser percebido, senão não existo.
O olhar do outro serve assim como uma espécie de panóptico sobre o nosso próprio corpo, sobre sua estética, sobre os modos de se estar na moda. Só me reconheço enquanto “belo” se meu corpo se reflete no espelho social do signo de beleza e da moda.
Uma vez construídos os signos de representação corporal – num determinado grupo ou cultura – eles fixam uma categorização social sob a qual se dá o jogo da in(ex)clusão. Estas relações estão em toda parte: nos signos de cor de pele, de corpulência, de higiene, nos modos de vestir e usar adereços, etc. O corpo pode ser assim também compreendido como um signo de demarcação e distribuição de poder simbólico.
Outro fator a ser analisado dentro desta temática é que a tecnologia e o sistema de produção, muitas vezes, configuram o humano – enquanto corpo e moda – numa cega identificação com a superficialidade.
Os hippies da década de 60, como forma de protesto à classe média/alta americana, fizeram uso de uma aparência física e vestimentas específicas para manifestar sua ideologia. As revoltas sociais estavam estampadas e se projetavam através de seus corpos: barba por fazer, cabelos compridos, roupas largas, incenso, pulseiras, brincos e tatuagens. Ao mudar seu corpo, o indivíduo procura construir, e a confirmação de sua identidade é a objetivação de uma subjetivação.
Os punks dos anos 90 foram outro grupo que se rebelou contra o modelo de beleza, que exigia corpos musculosos e bronzeados. Eles se apresentavam de pele branca e tingiam os cabelos de preto ou com cores fortes e luminosas para contrastar com o pálido da pele. Cultivavam uma magreza de aspecto doentio e vestiam somente negro.
No entanto, hoje podemos entrar no shopping e comprar um “hippie” ou um “punk” sem nem compactuarmos de tal ideologia, ou mesmo, sem termos sequer o conhecimento da mesma. Se os hippies da década de 1960 encarnavam um sujeito, o hippie do shopping encarna um artifício submetido pela moda e pelo acessório.
Não se trata aqui de negarmos que não existam mais “tribos” que tenham seu héxis corporal e roupa ligados a sua ideologia e regimes de verdade. Há inúmeras comunidades urbanas que assimilam a adesão num determinado grupo através da apropriação de determinados signos em seu corpo e vestuário. O piercing, a tatuagem ou outro adereço ou marca podem, de maneira significativa, inscrever no sujeito sua identidade… Seu sincretismo. Eles podem significar um rito de passagem, um sinal de transcendência. No entanto, não se pode negar a apropriação que o capitalismo faz das várias imagens ideológicas, colocando-as no mercado, destituindo-as de sua essência ideológica, ou seja, superficializando a ideologia.
Assim, percebemos que corpo e roupa sempre serão atravessados pelo olhar do outro e o olhar do outro será o nosso ponto de referência na construção de uma relação com o mundo e conosco mesmo, ou seja, com o cuidado de si.

Publicado na Revista Catarina.

Escrito em parceria com Fabio Zoboli

Mondrian: linha, plano e cores fundamentais em busca da essência

Novamente inspirando as criações de moda, Mondrian coloca em pauta a sua essência através de cores básicas e planos geométricos

É cada vez mais difícil dissociar a moda das artes, em suas mais variadas formas de manifestação, pois a todo momento encontramos vestígios, leituras de obras de artes em coleções de grandes ou pequenos criadores. Exemplo disso foram os últimos desfiles de verão onde os artistas cubistas, neoplasticistas e modernistas estiveram estampados em vestidos, saias, blusas e despertaram mais uma onda de aproximação das artes com a moda.
E esse movimento não é de agora, não. Vários foram os estilistas que foram buscar inspiração nas artes para criar suas coleções e alguns artistas também se utilizaram do vestuário como forma de expressão. Sonia Delaunay criou estampas para uma indústria têxtil nos anos 20, Ronaldo Fraga trouxe referências de Arthur Bispo do Rosário e Miró e Gaudí se tornaram inspiração para a Lenny na última coleção de verão. Yves Saint Laurent passeou durante toda a sua carreira pelo mundo das artes trazendo referências de diversos artistas para as suas coleções: Picasso, Matisse e Andy Warhol foram alguns dos artistas que tiveram suas obras retratadas nas criações de Saint Laurent.
A mais famosa delas, no entanto, foi o vestido tubinho inspirado em Piet Mondrian que fez parte da coleção de 1965. O vestido fazia uma leitura da obra Composição, criada por Piet Mondrian, e se tornou um ícone da Alta Costura dos anos 60 estreitando os laços entre a moda e a arte moderna.
O vestido é, vez ou outra, reproduzido pela grife e levado pelo movimento que começa a se disseminar hoje colocando Mondrian de novo em alta. As linhas simplificadas, limpas e baseadas em geometrismos, focadas na funcionalidade e na harmonia dos planos, ao mesmo tempo, estão de volta à moda, seja nas roupas, na decoração ou no design de uma forma geral. E Mondrian se tornou referência de criação ao utilizar as cores primárias (azul, amarelo e vermelho) neutralizadas pelo branco e vermelho na construção de desenhos geométricos.
Piet Mondrian, como ficou conhecido Pieter Cornelis Mondriaan, é um pintor holandês modernista que participou do movimento artístico Neoplasticismo e colaborou com a revista De Stijl. Nasceu em 1872 e morreu em 1944 em Nova York.
Depois de passar por um período impressionista e simbolista, Mondrian começou a desenvolver sua grande obra neoplástica, a partir de 1917. Partindo do Cubismo, Mondrian começou gradualmente a construir uma postura crítica contrária à Delaunay, Duchamp, aos futuristas e Chagall. Segundo ele, o Cubismo é racional porém não o suficiente, não levando a racionalidade às últimas conseqüências. Ele entendia a consciência em seus conteúdos cognitivos, mas não a consciência em si, em sua essência. Segundo Mondrian, a obra de arte deveria ter como estrutura própria uma essência teórica rigorosa. Ele pensava que não era possível conhecer nada sem a percepção e sim com uma reflexão sobre a percepção separada da própria percepção: uma refelexão em que a mente opera sozinha, com os meios exclusivos que são fornecidos por sua constituição. Assim, deveria-se partir de noções comuns, isto é, as noções elementares da linha, do plano e das cores fundamentais.
É a partir daí que nasce toda a série de quadros do artista. Entre 1920 e 1940, os quadros assemelham-se uns aos outros parecendo uma grade de coordenadas que formam quadros de diversos tamanhos, cobertos de cores elementares com o predomínio freqüente do branco e do preto.
Mondrian procurava retratar em suas obras o rigor e a dignidade da ciência transformando a superfície em plano. Subdividindo a superfície por meio de coordenadas verticais e horizontais, ele resolvia numa proporção métrica tudo o que na natureza apresenta-se como altura e largura restando o que se apresenta na terceira dimensão e que ele traduz nas infinitas sensações variáveis segundo a cor local, a distância e a luz.
Com essas obras Mondrian queria demonstrar que a percepção de uma cor não muda, o que muda é a valorização da cor percebida conforme a amplitude da área coberta e sua forma; duas zonas de extensões diferentes (um quadro grande e um pequeno) apresentam-se em igualdade de valor quando a diferença na extensão é compensada pelas diferentes profundidades do tom (analogamente, dois tons diferentes apresentam-se em igualdade de valor quando suas diferenças são compensadas pela maior ou menor extensão dos quadros). A proporção perfeita surge quando todos os valores do sistema equilibram-se, formando não mais uma superfície homogênea mas um plano geométrico.
Por essas e outras questões, Mondrian aproxima-se do programa da Bauhaus e, para ele, o artista deve ser consciente da sua responsabilidade social fazendo da pintura um projeto de vida social. Mondrian imaginava uma sociedade capaz de resolver suas contradições no dia-a-dia com o raciocínio e sem o recurso à violência. Por isso, em sua mente, sua pintura se enquadrava num perfeito urbanismo: a cidade com que sonha é o espaço vital de uma sociedade cujos atos, sendo puros produtos da consciência em sua unidade, devem ser, ao mesmo tempo, racionais, morais e estéticos.
A partir disso não é de se admirar que essa concepção tenha influenciado tanto a arquitetura e também as artes gráficas e, num momento como vivemos a sociedade de hoje, não é por acaso que ele venha a ser lembrado. Mondrian foi uma das consciências mais elevadas, mais lúcidas e mais civilizadas da história da arte moderna.

Publicado na Revista Catarina – edição 14.

Tempo é mudança

Perceber o tempo é perceber a mudança. E a mudança, a efemeridade e a obsolescência das coisas nunca foi tão ágil. Bem vindo à moda em todos os espaços da sociedade!

Ao folhear uma revista, ao passar pelas ruas de comércio, ao acessar um site na internet, algumas pessoas se questionam: como pode haver tantas opções de consumo, de informação e estas se tornarem obsoletas tão rapidamente. A sensação que dá é que não nos prendemos a nada, que o que temos nunca é suficiente. A produção pelo lucro desenvolvida com o capitalismo gerou este tipo de sentimento: a sensação de que o que temos, o que consumimos já está obsoleto e que há sempre algo novo no mercado.
Essa questão chamou atenção recentemente numa reportagem publicada pela revista Veja ao falar sobre o lançamento do telefone celular da Apple, o iPhone. A reportagem comentava particularmente o caso dos aparelhos celulares, a rapidez com que um modelo chega ao mercado, vira febre e logo cai de uso. “O impulso de substituir produtos antigos pelas novidades do mercado não se restringe aos aparelhos eletrônicos pessoais. Em todo o mundo, consumidores trocam de eletrodomésticos e de automóveis em intervalos mais curtos do que no passado, mesmo que as máquinas estejam funcionando bem.(…) a publicidade e as modernas técnicas de marketing tentam convencer o consumidor de que não apenas há um novo produto atraente no mercado, mas também de que o produto que ele tem em casa está obsoleto”.
Na dinâmica do mundo que vivemos hoje, tudo o que é novo, moderno, atual é mais valorizado. As tradições foram deixadas de lado e tudo é substituído muito rapidamente. Esses valores estão relacionados ao próprio conceito da moda. A palavra moda está associada à mudança. A moda, por definição, é passageira. Moda é indissociada do tempo. Pela própria origem da palavra, moda está relacionada ao tempo – moda, modos, modus. Uma moda não foi feita para ser permanente. E é este elemento um dos mais importantes do conceito de moda e bastante presente no nosso cotidiano atual.
Na atualidade, a idéia de efemeridade presente no conceito de moda atingiu praticamente todas as esferas da sociedade. Nada mais parece durar para sempre, nada mais é feito para durar eternamente. A valorização do que é tradicional, do que passa de geração para geração não vale mais. Tudo é efêmero: das roupas aos carros, dos celulares aos tratamentos de beleza, dos programas de TV às celebridades instantâneas. Na dinâmica do mundo atual, a mesma rapidez e facilidade com que se atinge o sucesso e a fama, ela também se esvai.
Cristiane Mesquita trata a relação do tempo com a moda na sociedade contemporânea. A presença da moda ultrapassou há muito sua relação com o vestuário. Sua característica mais marcante, a efemeridade e a valorização do novo são alguns dos principais elementos que regem a sociedade atual. Desde o seu surgimento, a efemeridade e a valorização do novo se impuseram na sociedade que estava desenvolvendo o capitalismo como elemento forte e hoje se torna ponto fundamental na dinâmica da sociedade capitalista.
Aliado a esses dois elementos, a quantidade de informação disponível nos faz parecer cada vez mais desatualizados e mais impotentes. Se antes uma notícia ou uma nova forma de vestir na Europa demorava três meses para chegar, hoje isso não existe mais. O intervalo de tempo é zero. Pela internet ou qualquer outro meio, é possível obter a informação simultaneamente ao seu acontecimento.
Além da simultaneidade, há a quantidade. Se antes tínhamos contato com, por exemplo, três novidades por hora, hoje entramos em contato com milhões de informações por dia, por semana. Muitas vezes não conseguimos absorver a informação e, pior, não sabemos nem o que fazer com elas. Sinal dos tempos (…)
Enfim, o que faz mudar as modas e iniciou de forma bastante tímida, atingiu seu ápice hoje e faz girar a sociedade de hoje. Tempo e moda estão definitivamente entrelaçados. Resta saber como sobreviver a essa velocidade dos acontecimentos, da vida, da moda!!!

Publicado na Revista Catarina.

O reino de John Galliano

Ele revolucionou uma das marcas mais tradicionais da indústria de luxo na moda e trouxe um novo conceito de glamour, fantasia e espetáculo para a moda.

John Galliano é imprevisível. A cada coleção de uma das mais famosas e tradicionais marcas francesas, o inglês, nascido em Gibraltar, conta uma nova história no comando da Christian Dior, sempre cheia de glamour e fantasia.
Galliano é considerado um dos heróis da moda britânica. Filho de emigrantes da classe operária, Juan Carlos Antonio (seu nome de batismo) nasceu em 1960 em Gibraltar e mudou-se para Londres em 1966. Filho de mãe espanhola, de onde sempre busca inspiração e conserva uma vaidade latina, e de pai inglês, Galliano construiu uma carreira fantástica. Após cursar a escola Wilson’s Grammar School para rapazes, ingressou na Central Saint Martins em Londres, onde se graduou em 1984. Seu desfile de formatura, com uma coleção inspirada na Revolução Francesa, foi sua primeira vitrine onde desfilou modelos que ostentavam galhos de árvore na cabeça e acenavam com peixes mortos nas mãos. Desde essa época, Galliano já se convencia de que o esquisito, mesmo chocante, vendia.
Em 1990, após um período de problemas e coleções consideradas inviáveis, Galliano mudou-se para Paris, onde apresentou sua primeira coleção em 1991. Em 1992, apresentou a coleção Napoleão e Josefina e A fuga da Princesa Lucrécia e Kiki de Montparnasse em 1994, onde já tinha seu talento reconhecido, mas suas coleções ainda eram consideradas não comerciais. Em 1995, Bernard Arnault, presidente do grupo LVMH, observando seu talento, nomeou Galliano o sucessor de Hubert de Givenchy na casa homônima, onde tornou-se responsável pelas coleções de prêt-à-porter e alta costura da grife. Essa ação marcou o início de uma invasão inglesa em Paris, quando jovens estilistas ingleses foram contratados por grandes marcas de prestígio para renovar sua imagem (John Galliano para Givenchy e Dior, Alexander McQueen para Givenchy e Stella McCartney para Chloé) e, marcou ainda um breve renascimento da Alta Costura. Em janeiro de 1997, Johan Galliano foi transferido para a Christian Dior, marca que também faz parte do grupo de Bernard Arnault.
O caso de amor de Galliano e Dior completa dez anos em 2007. Desde que assumiu a direção criativa da marca, tanto na Alta Costura quanto no prêt-à-porter feminino e acessórios, John Galliano vem surpreendendo as exigentes platéias de moda com apresentações criativas e enlouquecidas, mesclando sua moda sofisticada e de extremo bom gosto a maquiagens e cenários surpreendentes. Sua entrada na maison foi muito criticada pelos franceses, mas à medida em que conseguiu revitalizar a marca em termos criativos e financeiros, suas criações não pareceram mais tão estranhas. Galliano revolucionou a Dior assim como fez o criador da marca há 50 anos. No comando da grife já colocou trapezistas, acrobatas, chineses, monges Shaolin, freiras, esfinges e até mendigos na passarela, essa aliás, uma das mais marcantes coleções desenhadas pelo inglês.
Completando dez anos de casa, Galliano comentou em entrevista recente para a Harper’s Bazaar que lembra do dia em que chegou à casa, onde encontrou os 800 empregados da empresa enfileirados para cumprimentá-lo pela primeira vez e diz que duas coisas ficaram na memória daquele dia: “Primeiro, que eu queria desesperadamente gravar o nome de todas essas pessoas e segundo, uma pergunta que não saia da minha cabeça: o que foi que eu fiz?”
Seu estilo camaleônico e sua irreverência, que são traduzidos não apenas nas coleções que cria, cerca de 15 por ano, incluindo a Dior e sua própria marca, mas também no seu modo de vestir. Galliano costuma “fantasiar-se” com a história da coleção que está desenvolvendo, o que acaba por vezes gerando comentários de seus colegas pois eles dizem que John vai acabar entregando o tema a seus concorrentes.
Como elementos que caracterizam seu trabalho estão o historicismo e o romantismo: suas coleções sempre têm uma história com referências de outras épocas ou culturas mescladas a vários outros elementos apresentados de forma dramática e espetacular. Cada coleção sua tem uma narrativa e estrutura baseada em elementos ficcionais. Os desfiles, considerados verdadeiros shows, são desenhados de forma a envolver os espectadores em meio a fantasia e as modelos se movimentam na passarela desempenhando papéis, como se estivessem em filmes. Além disso, as modelos vestem apenas um único traje, não havendo troca de roupas, diferentemente da maioria dos desfiles de hoje em dia.
Caroline Evans comentou o estilo promíscuo de Galliano, quando coloca numa mesma criação elementos da Belle Époque e do período colonial, mesclando culturas e pessoas. Mas, por trás de toda essa fantasia, há uma construção perfeita de modelagem e técnicas de flou e alfaiataria. Sua maior influência está no corte em viés desenvolvido por Madeleine Vionnet, técnica que ajudou a aperfeiçoar.
Sua história com a Dior parece estar longe de ter fim. Após estranhamento inicialdo seu público, hoje Galliano consegue transformar diversos produtos da marca em sucesso de vendas. Quando chega às lojas, muitas peças, sejam elas roupas ou acessórios, já tem lista de espera, mostrando que as mulheres e o mundo da moda se seduziram por Galliano. Exemplo disso foram as bolsas-sela, as inovações no tailleur Bar e a bolsa detetive. Galliano explica que o truque é achar um equilíbrio entre a criatividade e a originalidade com apelo comercial e que a ousadia é a essência da grife. “Uma roupa Dior é feita para uma mulher que não tem medo de arriscar-se”.

Publicado na Revista Catarina – edição 12.

Chanel – Miserabilismo de luxo

Ela encarnou o símbolo de elegância e de feminilidade do século passado mostrando às mulheres uma nova visão de luxo que dura até hoje

Traçar a biografia e os pontos relevantes de uma vida como a de Chanel não é tarefa fácil. Gabrielle Chanel é uma das personalidades do mundo da moda que mais se destacaram em toda a história. Em seus 87 anos de vida, ela mudou toda a concepção da moda feminina, arrancando de vez os espartilhos e propondo uma roupa prática e elegante, que dispensava a ajuda de criados para vestir, fato muito comum ainda no início do século XX. Criou o pretinho básico, indispensável no guarda-roupa de qualquer mulher e trouxe para a moda as bijuterias, em lugar das pesadas jóias.
Todo o sucesso alcançado por Coco Chanel, como era conhecida, não foi por acaso. Desde cedo, ao perder a mãe e ser deixada pelo pai num orfanato, percebeu que a única maneira de vencer na vida seria à custa de muito trabalho. Nessa época, o destino da mulher não previa muitas possibilidades de escolha: arranjar um marido, um amante ou tornar-se artista. Decidiu arranjar um amante que pudesse lhe oferecer uma nova vida, já que sua tentativa de cantora na juventude não tinha dado muito resultado. Chanel atuou como cantora de cabaré à noite enquanto trabalhava durante o dia numa loja de tecidos, mas logo percebeu que não poderia ir longe com as duas únicas músicas que sabia cantar: Ko ko ri ko e Qui a vu Coco? Da sua curta carreira de cantora, recebeu o apelido pela qual seria conhecida pelo resto da vida: Coco.
Sua carreira na moda começou no ramo de chapéus. Com 25 anos, conheceu Étienne Balsan, um jovem oficial de família rica que se tornou seu amante e a apresentou ao mundo dos ricos. Ele a instalou em seu castelo em Royallieu, perto de Paris. O estilo de vida do campo e o contato com os cavalariços de Balsan influenciaram a futura estilista que acabou se tornando uma excelente amazona. Vestia-se com as roupas do amante e passou a usar chapéus de palha canotier adornados apenas com laço contrastando com os chapéus enormes e decorados usados na época. Os chapéus chamaram a atenção de suas amigas que encomendaram-lhe alguns com mais adereços.
Por meio de Étienne, Chanel conheceu o grande amor de de sua vida, Boy Capel, um rico negociante inglês que a incentivou a abrir seu próprio negócio. Em 1910, inaugurou a chapelaria Chanel Mode na rue Cambon, n. 21, endereço de onde nunca mais saiu. Em 1913, abriu uma loja no balneário de Deauville e, em 1915, em Biarritz. A loja, além de chapéus, oferecia roupas apropriadas para a vida à beira-mar inspiradas no iatismo. Os blusões, casacos de lã marinho tipo jaquetão e os maiôs listrados aliavam conforto e elegância usando materiais como a malha e o jérsei, antes associados a confecção de peças íntimas.
A inspiração para a criação de suas peças tinha sempre a ver com seu gosto pessoal e com o que ela tinha vontade de usar. As referências vinham sempre do guarda-roupa masculino sem deixar de lado a praticidade e o conforto, já que era uma mulher que gostava de montar a cavalo. Em 1916, Chanel começou a fazer tailleurs em jérsei. As saias ficavam um pouco acima da altura do calcanhar e os casacos 3/4 eram soltos, com bolsos e uma faixa ao redor da cintura. Usava-se uma blusa por baixo, coordenada com o tailleur. A Harper’s Bazaar o definiu-se como o “charmoso vestido camisa’.
Com a Primeira Guerra, a ostentação saiu de moda e as peças simples de Chanel se tornaram uma espécie de uniforme. Sua clientela se expandiu de maneira surpreendente. Ainda em 1916, a mesma Harper’s Bazaar foi taxativa ao mencionar a ainda quase desconhecida costureira: “A mulher que não tem pelo menos um tailleur Chanel está desesperadamente fora da moda!” Seu prestígio só fez crescer durante a guerra.
Depois da guerra surgiram vários concorrentes entre Patou, Vionnet e Poiret, seu inimigo ferrenho, com quem teve discussões lendárias. Acirrando ainda mais a disputa, criou a moda a la garçonne traduzida por “como menino”, onde usava cabelos curtos e que acabou se tornando o visual da década. De todas as suas criações, a que parece cada vez mais atual e se tornou sinônimo máximo de elegância, apareceu em 1926 e foi comparado ao Ford pela Vogue: o vestido preto, também chamado de pretinho básico por ser prático, bonito e despretencioso.
Seu estilo e suas criações se tornaram tão famosas que passaram a ser copiadas em todo o mundo. Para Mademoiselle Chanel, como gostava de ser chamada, a cópia de um de seus vestidos era o maior elogio que se podia fazer a ela, pois sua intenção era que a moda fosse acessível a todas as mulheres e não só às mais privilegiadas.
Para comemorar seus 40 anos, foi lançado seu primeiro perfume. O nome, indicado pelo número do aroma de prova que mais gostou, traduzia seu estilo assim como o frasco de linhas geométricas. Contrário aos seus concorrentes que lançavam fragrâncias criadas com aromas naturais, Chanel inovou mais uma vez ao fazer o primeiro perfume moderno onde, o cheiro de jasmim, era resultado de uma mistura artificial que o deixava ainda mais intenso e duradouro.
A crise dos anos 30 e a Segunda Guerra Mundial transformaram-na numa pessoa amarga. Chanel pressentia seu fim e se sentia traída pela imprensa que agora dava mais atenção a Schiaparelli. Com a declaração de guerra, despediu todos os seus colaboradores, fechou o atelier e refugiou-se na Suiça, de onde pensou-se que nunca mais sairia. De Lausanne, viu o triunfo de Dior e preparou sua volta.
Em 5 de fevereiro de 1954, Chanel apresentou a jornalistas franceses e ingleses sua coleção de retorno. O que parecia, para eles, uma “retrospectiva triste e melancólica”, para Chanel era o futuro. Não desistiu e, duas temporadas mais tarde, a imprensa norte americana a consagrou novamente por seu novo tailleur que se tornaria mais tarde a imagem da mulher clássica e elegante pelo resto do século.
Tailleur de tweed, bolsas de matelassé com correntes douradas, sapatos bicudos bicolores, colares com várias voltas de pérolas e camélias fizeram a imagem da nova mulher pela qual trabalhou até sua morte em 1971. Gabrielle Chanel morreu em seu quarto no Hotel Ritz onde morava, perto da Rue Cambon, 21, local onde, 60 anos antes, abrira o seu salão e se situa a sede da casa Chanel até hoje.

Publicado na Revista Catarina – edição 07.

Bravo Versace!

Símbolo do excesso e da luxúria, Versace marcou época e criou um estilo inconfundível na moda mundial

Glamour, luxo e excesso. As três palavras definem bem o estilo do italiano Gianni Versace, morto em 19 de julho de 1997 em frente à sua casa em Miami, nos Estados Unidos. O aniversário de 10 anos de sua morte se revela uma oportunidade para relembrar e colocá-lo mais uma vez em evidência.
Dono de um império hoje controlado por seus irmãos, Santo e Donatella, e herdado por sua sobrinha Allegra, Gianni Versace sempre esteve em meio aos tecidos e tesouras por influência de sua mãe, Francesca, considerada uma das melhores costureiras da região da Calábria na Itália, nos idos da década de 50 e 60. Desde pequeno, Versace tinha o sonho de ser conhecido mundialmente e foi sob os holofotes da moda que ele atingiu seu objetivo.
Gianni Versace nasceu em 1946 em Reggio, na Calábria e, desde cedo, identificou-se com o mundo da moda enquanto observava sua mãe trabalhando. Em 1972, começou a trabalhar em marcas italianas famosas, como a Genny, Callaghan e Complice e, quando suas criações começaram a se destacar, ele resolveu lançar sua marca própria apresentando sua primeira coleção em Milão, em 1978. Desde o início, a família esteve presente na empresa. Santo era seu sócio e responsável pela área administrativa e Donattela, sua musa inspiradora, desenhava a linha Versus lançada posteriormente. Ela o substituiu substituta após sua morte.
Considerado um dos mais importantes estilistas do final do século XX, Versace constituiu-se uma referência do over e do glamour através de suas marcas: Instante Jeans, Versus (sua segunda linha, mais jovem e mais barata) e Couture, e as linhas masculinas e de acessórios. Seus desfiles eram considerados verdadeiros espetáculos com a presença maciça de celebridades, nas passarelas e fora delas. Elton John, Madonna, Prince, Elizabeth Hurley, Hugh Grant e Sarah Ferguson, além das primeiras top models como Naomi Campbell, Linda Evangelista, Cindy Crawford, Claudia Schiffer e Christy Turlington faziam parte da lista.
Na história da sua marca, algumas coleções marcaram época e tornaram-se símbolo do “ultra caro, ultra luxuoso e ultra glamouroso” despertando o desejo dos novos ricos e famosos. O uso do dourado e da cabeça da medusa, emblema de sua grife, aparecia em acessórios, etiquetas e fivelas revelando seu estilo de vida faustoso e das suas criações. Suas formas envolviam a silhueta feminina através de corte enviesado e sedas vaporosas. As estampas coloridas e rebuscadas, a sensualidade e os excessos barrocos também eram características marcantes que foram, aos poucos, sendo amenizadas pela irmã, depois que assumiu a direção criativa da marca.
Entre as suas criações mais famosas estão o vestido safety pin, imortalizado por Liz Hurley, composto de alfinetes de segurança dourados que se prendiam ao tecido, sua coleção inspirada na Pop Art, a campanha protagonizada por Madonna em 2005 e o lançamento de sua linha de decoração que teve o ator Sylvester Stallone e Claudia Schiffer posando nus e escondendo os sexos com um prato e um cinzeiro.
Sua vida de excessos barrocos foi interrompida pelo gigolô Andrew Cunanan com dois tiros na nuca na entrada de sua casa em Miami Beach. Depois de sua morte, as rédeas da empresa foram tomadas por Donatella Versace, auxiliada pela sobrinha Allegra Versace Beck, que se manteve em alta por alguns anos. Ao completar 18 anos, Allegra nomeou 2 representantes para a diretoria da marca, interferindo no poder da mãe. No mesmo ano, foram cancelados os desfiles de alta costura e da etiqueta Versus e em 2000, foi inaugurado o primeiro hotel seis estrelas da empresa, o Palazzo Versace, localizado na Costa Dourada australiana.

Gianni e a irmã Donatella, sua sucessora na direção criativa da marca

Publicado na Revista Catarina – edição 11