Que atire a primeira pedra quem não tem pelo menos um no armário! O vestido preto, conhecido como pretinho básico, é um daqueles clássicos que, seja qual for a idade, classe social ou profissão, toda mulher tem que ter um. Ele traduz elegância e a discrição necessária que a mulher contemporânea precisa. E faz isso muito bem, caso contrário não teria se tornado a peça indispensável que é há mais de 80 anos.
A invenção do pretinho básico é atribuída a uma das mulheres mais criativas e inovadoras do século XX: Coco Chanel. Em maio de1926, a revista Vogue publicou uma ilustração com um modelo de vestido preto, simples, criado pela costureira. Num momento em que as mulheres estavam atingindo a independência, o vestido veio a calhar. Parece que o vestido preto conseguiu representar tudo o que uma mulher precisava naquele momento: simbolizava modernidade com linhas praticamente aerodinâmicas e uma sensualidade tranqüila e confiante, elementos esses característicos das criações de Chanel. Conta-se que um dos grandes rivais de Chanel, o costureiro Paul Poiret perguntou a Chanel, um dia, quando vestida de preto: “Você está de luto por quem, mademoiselle?”. “Por você, monsieur”, foi a resposta calma dela.
O pretinho olhava para frente, para o futuro. Principalmente depois da quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, a imagem “chique simples” do pretinho parecia particularmente oportuna. As roupas vistosas, de aparência sofisticada, eram consideradas inadequadas mesmo para os que não haviam sido afetados pela Grande Depressão. Assim como as roupas da década de 30, de linhas retas e desprovidas de frescuras, o vestido preto caia muito bem e foi apelidado de Ford Chanel numa comparação com a marca e a cor do carro mais popular dos anos 20.
Antes dessa época (e, de certa forma, até os dias de hoje), o preto era normalmente associado ao luto. O período do luto durava dois anos e meio e o primeiro período, que durava em torno de um ano e um pouco mais, a mulher deveria vestir-se inteiramente de preto. No segundo estágio, que durava aproximadamente nove meses, a viúva passava para roupas pretas com enfeites pretos e, por fim, vestia-se com tons esmaecidos como cinza e alfazema com acessórios pretos. Em vista do grande número de perdas com as guerras, a rigidez dessa regras do luto foram sendo abandonadas aos poucos pois muitos achavam que o melhor era seguir em frente. Mesmo assim, o uso da cor ainda se manteve. Como a expectativa de vida era relativamente baixa e as guerras ocorriam freqüentemente, principalmente até a primeira metade do século XX, algumas lojas criaram departamentos de artigos de luto onde se podia encontrar tudo o que fosse necessário.
Entre muitos pretinhos marcantes, seja na vida real ou no cinema, estão Catherine Deneuve, com vestido de Yves Saint Laurent na cena final de A Bela da Tarde; Scarlett O’Hara (de luto) dançando com Rhett Butler em … E o Vento Levou; Jacqueline Kennedy no funeral de seu marido, o presidente John Kennedy; Audrey Hepburn em seu figurino criado por Hubert Givenchy para Bonequinha de Luxo; Princesa Diana em sua primeira aparição pública ao lado do Príncipe Charles; Elizabeth Hurley com seu polêmico Versace com alfinetes de segurança, Rita Hayworth em Gilda; a sexy Betty Boop; Demi Moore como a esposa de um milhão de dólares em Proposta Indecente e as artistas francesas Edith Piaf e Julette Greco.
Entre ondas de luto, revoltas e estilo, o pretinho básico encaixa-se muito bem com estilo, e que estilo. Nancy MacDonell Smith, a autora do livro Pretinho Básico termina seu texto definindo e homenageando o clássico: “Meu verdadeiro reconhecimento do valor do preto é muito mais filosófico que prático. Com o preto, sinto-me como se estivesse usando minhas roupas, em vez de ficar conjeturando se elas estariam me usando. De preto me sinto confortável, confiante, inatacável. Contra a tela sombria, é como se meu eu resplandecesse”.
Publicado no Município Mais – edição 07 de 24 de março de 2008.